tentativa de praticar a escrita a partir da criação de personagens antropomorfizados (ou não) que precisam encarar o tédio do dia-a-dia

10 de dez. de 2005

Léo, o leão

      Léo era um leão valente, esperto e sagaz. Com seu porte atlético e garras afiadas, conquistava o coração de diversas mocinhas ao longo da floresta, que se derretiam ao vê-lo passar. Ao menor sinal de perigo, bradava, com sua voz firme e segura:

      — Eu sou o Leão, o Rei da Floresta... Roarrrrr!

      (Note-se que as palavras já saíam de sua boca com as inicias maiúsculas!).

      Era só pintar um inimigo que Léo, prontamente, estufava o peito, abanava as jubas, e partia para o ataque. Ou ao menos era isso o que ele parecia fazer...



      Johnny era um gambazinho esmirradinho, baixinho, que usava óculos e tinha uma cômica voz rouca. Seu corpo era percorrido por duas listras brancas de pêlo, que lhe conferiam um ar de uniforme da Adidas. Mas apesar da aparente fragilidade, Johnny era um animalzinho que cumpria uma missão fundamental para a manutenção da vida na floresta: era ele quem zelava pela imagem de malvado do leão. Ele era o guardião do mito de que o leão tem de ser feroz. Léo, na verdade, era tremendamente medroso, e precisava que seu fiel escudeiro o protegesse nas situações de perigo. Assim, o que acontecia de verdade era que, na menor dificuldade, Léo fugia, mas Johnny corria atrás dele e o obrigava a agir, mesmo que para isso fosse obrigado a administrar-lhe pílulas contra a insegurança.

      Léo tinha síndrome do pânico, e o maior medo de quem a tem é justamente o medo de sentir medo. Isso fazia com que às vezes ele não tivesse sequer coragem de sair de sua toca! Era preciso, então, que tomasse remédios para vencer a covardia. E assim surgia a imagem de um leão falso, movido à base de psicóticos dos mais variados tipos.

      Nessas condições, o leão e seu fiel escudeiro percorriam a floresta para demarcar território. Léo, tal qual a mulher de César, só precisava parecer malvado, e a ordem da floresta estaria mantida. O problema ficava incontornável mesmo quando Léo se via diante de um ratinho, seu segundo maior medo:

      — Aaaah! Um ratooo!! Socorro!!!

      E não tinha milagre, remédio, ou conselho de Johnny que o fizesse voltar e enfrentar o "perigo". Isso era arriscado, pois algum dia algum animalzinho poderia ver a cena, e a imagem de feracidade do leão estaria ameaçada. Era preciso tomar providências, mas Johnny não sabia por onde começar...



      Um dia, Léo conheceu Lia, a leoa viúva. E, diante daquela fêmea de fibra, Léo sentiu pela primeira vez a necessidade provar que era valente: para Lia, não bastava que parecesse feroz, era preciso ter coragem de verdade. Conquistar o coração dessa leoa forte, que defendia com garras e dentes sua cria desde a morte do marido, o antigo rei, numa emboscada na floresta vizinha, não seria tarefa fácil!

      Na vez seguinte em que encontrou com um ratinho, Léo estava sozinho, mas mesmo assim tratou de encarar seu medo — por Lia. Ao mesmo tempo que seu coração dizia: "Fuja! É um rato! Um asqueroso rato!!", sua consciência exigia que tomasse providências. Era como uma daquelas clássicas cenas de desenho animado, em que um anjinho à direita e um diabinho à esquerda confabulam cada um a seu turno na tentativa de convencê-lo de que o melhor caminho é o bem ou o mal. E então Léo deixou o anjinho vencer, e reuniu todas as forças possíveis para aquela situação:

      — Miaaaauuuu.

      Com o mugido fracassado, o ratinho caiu na gargalhada. Ele rolava de rir no chão. Léo ficou furioso e quis tirar satisfações. Quem era aquele que ousava insultar o leão? O ratinho se apresentou, e foi bastante simpático. Conversa vai, conversa vem, os dois descobriram que tinham nascido nas mesmas redondezas, e que tinham bastante coisas em comum. Tornaram-se grandes amigos. Aí o leão falou de suas inquietações, o ratinho respondeu dizendo que ele não tinha que se preocupar, pois os ratos eram animais inofensivos, e blá blá blá.

      Pois então, quem diria, o leão acabou encarando seus maiores medos (o medo de que tinha medo, e o medo de ratos), e descobriu que era possível continuar sendo respeitado mesmo tratando os demais animais como amigos. Ele percebeu que podia ser ele mesmo, sem a necessidade de ser arrogante e petulante o tempo todo; sem precisar mentir. Virou amigo de todos, e todos o respeitavam porque ele era bom. Não tinha mais vergonha de confessar seus medos, e passou a viver num reino onde transparência era a palavra-chave. Tudo parecia perfeito, afinal.

      Entretanto, é claro, a leoa viúva não quis saber dele: um leão que, ao invés de lutar, negociava a paz? Ah, fala sério!

Um comentário:

RMguria disse...

Adorei! eu sou leonina e já tive pânico heheheh...me identifiquei.

Muito criativa você. Parabéns!

Histórias passadas

Outras informações

  • - Nas cinco primeiras histórias, a ênfase foi na criação e descrição de personagens. A ênfase atual é nos diálogos, e/ou na elaboração de um final para os textos.
  • - As sete primeiras histórias postadas fazem parte de um grupo temático arbitrariamente criado e intitulado "Amores impossíveis".