tentativa de praticar a escrita a partir da criação de personagens antropomorfizados (ou não) que precisam encarar o tédio do dia-a-dia

28 de jan. de 2007

Projeto de máquina do tempo

Em um velho laboratório, situado no porão de uma casa de alvenaria, um velho senhor barbudo de cabelos brancos e seu jovem aprendiz conversavam. Os dois se encontravam lado a lado, detrás de uma pesada mesa de madeira, debruçados sobre os vários croquis de modelos de cabine. A ambição do velho senhor, alimentada desde sua mais tenra juventude, era a de, tal qual acontecia nos romances de ficção científica, construir uma máquina do tempo capaz de levá-lo ao passado remoto e ao futuro distante.

Animado com a idéia de poder contar com a ajuda de um jovem rapaz recém-formado na faculdade de engenharia, o velho senhor chamou-o a sua casa para conversarem tão logo fosse possível. Devido à pressão, não tardou muito para que o jovem aparecesse para o primeiro encontro. Naquele momento, enquanto revisavam projetos, desenhos e esquemas elaborados em décadas de dedicação, o velho senhor procurava saber o que se passava pela mente agitada e explosiva de um jovem admirador de máquinas do tempo.

- Diga o que você acha. Façamos um brainstorm.

- O que eu acho?

- É, o que você acha com relação ao projeto. Diga qualquer coisa.

- Bom, em primeiro lugar, acho que a máquina deveria ir apenas em direção ao passado.

- Somente ao passado? Ora, mas por quê?

- Por uma simples impossibilidade científica de se poder prever o futuro. Uma máquina do tempo não é uma bola de cristal. Ela não tem o condão de prever os acontecimentos futuros. O passado, por sua vez, já aconteceu. Deveria ser perfeitamente possível voltar atrás. Mas avançar para frente iria requerer uma tecnologia extremamente avançada, algo de que não dispomos no momento, o que atrasaria em anos, décadas, e até mesmo milênios um projeto exeqüível de máquina do tempo.

- Tese interessante. Mas, meu jovem, você não acha que assim a máquina perderia grande parte de seu encanto?

- Sim e não. Perdemos em termos de atrativos em potencial, mas ganhamos em termos de lógica e probabilidade.

- Digamos que se vá apenas ao passado, então. Pensemos com extrema racionalidade. O que acontece se alguém mudar alguma coisa, como, por exemplo, um pai que evita a morte do filho? Tem também o problema do paradoxo do avô, conhecido há anos pelos cientistas. Por ele, tem-se que um viajante no tempo que, sem querer, matasse o homem que era seu avô, quando retornasse ao presente, não teria nascido. Em não tendo nascido, como pôde ele ter retornado ao passado para matar o avô?

- Justamente por isso é que não pode ser possível mudar o passado.

- Mas, e então, qual o sentido em se voltar ao passado se um pai não puder evitar a morte de um filho?

- E por acaso tudo tem que ter um sentido? A vida, por sua vez, não tem sentido.

- Bem colocado, mas dedicamos meses, anos, até mesmo nossas próprias vidas a esse projeto. É preciso haver um motivo, de modo que o motivo da máquina preencha a falta de sentido de nossas vidas.

- O propósito da máquina do tempo seria o de satisfazer a até hoje insaciável curiosidade humana. É impossível estar presente em todos os lugares a todo momento. É conhecendo o passado que se compreende o presente e se condiciona e constrói o futuro.

- O passado não seria, assim, uma espécie de aprisionamento?

- Sim. Totalmente. Talvez o mais sensato seja desistir do projeto de máquina do tempo. Isso mexeria demais com as emoções humanas, e até com o próprio sentido de humanidade.

- Desistir? E colocar todos esses anos de pesquisa fora?

- Fazer o quê, o homem já possui toda as condições para retroceder ao passado e não o faz. Já temos nossas máquinas do tempo.

- Como assim?

- Ora, se o propósito é apenas o de visitar o passado, o que são fotos, vídeos e documentos impressos senão meras próteses que nos permitem fazer isso? E muitas vezes podemos voltar ao passado de graça, ou com baixíssimo custo. Não faz sentido consumir horas e horas de trabalho para fazer algo que já existe.

- É fácil falar assim para quem é jovem e ainda não tem nada a perder. E eu, que já passei mais de quarenta anos de minha vida enfurnado neste laboratório, bolando técnicas de como se projetar em direção ao passado e ao futuro?

- Pois abandone a idéia enquanto é tempo. Isso tudo não passa de utopia. Uma utopia alimentada por uma vasta literatura de ficção científica, que remonta à obra de H. G. Wells, ainda no século XIX. A máquina do tempo só funciona na literatura. Desista do projeto. Viva o presente. O futuro é imprevisível, e o passado só serve para barrar o progresso. Uma máquina do tempo simplesmente não faz sentido.

Um comentário:

Anônimo disse...

este jovem me lembra uma pessoa :P heuehueheh

Histórias passadas

Outras informações

  • - Nas cinco primeiras histórias, a ênfase foi na criação e descrição de personagens. A ênfase atual é nos diálogos, e/ou na elaboração de um final para os textos.
  • - As sete primeiras histórias postadas fazem parte de um grupo temático arbitrariamente criado e intitulado "Amores impossíveis".