A cena no parquinho: a gênese da disputa entre o Elefante Analfabeto e a Girafa Acadêmica
Embora muito se saiba sobre a clássica disputa entre a Girafa Acadêmica e o Elefante Analfabeto, muito pouco ou quase nada se sabe a respeito das origens dessa verdadeira luta entre o Bel e o Mal. A disputa tem razão de ser. O motivo, entretanto, a primeira vista parece ridiculamente banal. Vejamos a história, portanto.
Tudo começou quando a Girafa Acadêmica e o Elefante Analfabeto eram colegas na pré-escola. Os dois estavam matriculados na escola dos animaizinhos toscos. A título de curiosidade, diga-se de passagem, naquela época, tanto o Elefante quanto a Girafa ainda eram analfabetos, na medida em que ainda se encontravam nos primórdios de seus anos de estudos. Eles passavam tardes e tardes desenhando e pintando em conjunto, na salinha de aula ao final do corredor da Escolinha.
Um dia, após mergulharem suas patas em tintas coloridas e distribuírem impressões digitais aleatórias sobre um largo e amplo papel pardo, a Girafa, o Elefante, e os demais animaizinhos (particularmente, havia a Lontra, o Leopardo e o Tigre, assim como a Pomba, a Marmota e o Leão, todos ainda filhotinhos) foram ao parquinho brincar ao sol, acompanhadas da professora Coruja. Naquele tempo, tardes de sol eram raras, e por isso os animais apreciavam tanto as brincadeiras ao ar livre. Também era nessas situações que eles tinham a oportunidade de interagir com os demais. O Elefante adorava particularmente essas situações, visto que os elefantes, em geral, são animais carrancudos e solitários.
Nesse dia em específico, em um tempo tão distante e remoto que chega a ser difícil precisar (a disputa entre o Elefante e a Girafa, além de clássica, é também histórica), a Girafa e o Elefante decidiram brincar no escorregador. Ora ia primeiro o Elefante, e depois a Girafa, ora invertia-se a ordem, e a Girafa escorregava primeiro. Nesse caótico vai e vem, nessa frenética subida e descida, escalada e escorregada, em um determinado momento, os dois tentaram usar o brinquedo exatamente ao mesmo tempo. Entretanto, assim como em um dos princípios básicos da física, dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço simultaneamente. O resultado foi catastrófico. E impossível de se determinar quem fora o culpado.
Para o Elefante, que tentou escorregar primeiro, ficou parecendo que a Girafa o havia empurrado. Afinal, ele estava lá, tranqüilo, pronto para escorregar, e veio aquela “pescoçuda” por trás para derrubá-lo. Para a Girafa, entretanto, ficou a sensação de que era a vez dela de escorregar, mas que o Elefante havia se intrometido a sua frente. Os dois tinham razão, e ao mesmo tempo nenhum dos dois a tinha.
Ao cair estatelado no chão, ao final do trajeto no escorregador, o Elefante abriu o berreiro (lembre-se que a essa época o Elefante ainda era um filhotinho, suscetível às fortes emoções da vida impúbere). E não adiantava vir outros animais tentar acalmá-lo. O estrago havia sido feito. Nenhuma palavra de Lontra amiga ou da sábia Coruja iria reanimá-lo. Foi nesse mesmo instante que iniciou, embora de forma mais incipiente, a birra do Elefante contra a Girafa.
O que aconteceu após o fatídico episódio no parquinho pode ser facilmente deduzido por nossos leitores. A Girafa, mais forte emocionalmente, não se abalou com o fato e continuou na escolhinha. De fato, progrediu até os mais altos graus acadêmicos. O Elefante, traumatizado pelo fato, optou por abandonar a escola. E ganhou o apelido de Elefante Analfabeto.
Passados alguns instantes da cena no parquinho, uma profunda vergonha tomou conta do Elefante. Não demorou muito para que essa vergonha se transformasse em raiva, raiva daquela “pescoçuda” que o havia – ao menos supostamente – empurrado. Embora ainda estivesse na pré-escola, o Elefante jurou vingança. Mesmo que levasse dias, semanas, meses, ou até mesmo anos – ele havia de fazer alguma coisa para compensar a situação constrangedora pela qual passou frente a seus amiguinhos. E isso ficou remoendo em sua cabeça após ter decidido abandonar a escola.
A princípio o pai do Elefante não gostou muito da idéia de vê-lo abandonar a escola. Mas aos poucos foi percebendo o grau de resolutividade do filho, e por fim acabou se convencendo de que a melhor saída era mesmo liberá-lo da obrigação de ter de freqüentar aquele estabelecimento de ensino que tanta vergonha tinha despertado em seu filho. Ele até tentou localizar outra escola para o Elefante, mas não havia nas redondezas tantas escolhinhas para animaizinhos.
Apesar da singeleza da situação, e da aparente falta de relevância prática do fato, nascia aí um dos maiores embates de nossos tempos: uma batalha entre o apreço ao conhecimento (e o conseqüente estímulo ao espírito acadêmico competitivo) versus o desleixo e a despreocupação com o aprendizado (simbolizado pelo culto ao autodidatismo). Contrapunha-se, pois a Escola da Vida (do Elefante) à Escola da Academia (liderada pela Girafa).
Desde então, os demais indivíduos (sejam eles animaizinhos toscos ou não) invariavelmente se filiam a uma ou outra corrente. Ora são partidários da Girafa Acadêmica, ora seguem as diretrizes do Elefante Analfabeto. Mas estamos falando ainda apenas do começo da história... Muita coisa aconteceu desde o episódio mal-resolvido do escorregador. Seria um motivo muito banal para iniciar uma luta secular. Há mais fatos escondidos por trás da luta entre Girafa e Elefante. E é sobre isso que trata este livro: as origens, a evolução e a situação atual do embate Academia versus o mais puro Ostracismo.
Digamos que, dentre outras coisas, há um amor reprimido envolvido. Também há outros animais que também são protagonistas nessa história. Acompanhe essa história, e entenda porque o mundo é hoje dividido entre elefantinos e girafísticos, e as diferenças práticas entre se filiar à AGA ou a EIA.
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